quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O QUE É NEPOTISMO


Pedro estava a horas sentado na frente do computador escrevendo um trabalho para disputar uma vaga de estágio em uma empresa jornalística. A exigência: pôr no papel tudo o que é feito pela produção no jornalismo e como o comportamento pessoal interfere no ambiente de trabalho. Caprichou no conteúdo textual e apostou na convocação. A verdade é que o nome dele nem apareceu na lista dos selecionados.  Revoltado, ligou pedindo uma explicação coerente da comissão julgadora. Atendido pela secretária, ouviu-a dizer:

-“Realmente, seu material é de muita qualidade. Parabéns! Você tem futuro, viu?”
- Então por qual motivo vocês não me chamaram? – disse ele
- A senhora lhe respondeu: “É que o currículo que você entregou junto com as perguntas respondidas é muito pobre.”

Conformado, Pedro lembrou que a sua a experiência profissional completava apenas poucas linhas de uma folha, enquanto muitos candidatos preencheram páginas inteiras. Mas seriam mesmo currículos tão brilhantes assim?

Foi autorizado a conferir os currículos adversários.  Alguns enumeravam mais de uma dezena de diplomas, obtidos pelos candidatos às vezes em cursos brevíssimos, ou meros atestados de presença em eventos, debates, conferências ou reuniões.

Qualquer viagem feita nas férias, contava para aumentar o conteúdo curricular.
Imagine que um candidato inclusive, mencionou no seu currículo, a participação em clubes de fuscas e de pássaros raros.

- Perguntado o motivo de não ter feito como todos os outros candidatos, ele respondeu:
- Eu? Jamais, não sou tão cara-de-pau.
- Ela replicou: você é quem sabe, prefere continuar sem estagiar?

Chateado, ele prometeu pra si mesmo que nunca mais perderia tempo com seleções, questionou até quem aqueles julgadores pensavam que eram.
Dias depois, a mãe de Pedro liga toda serelepe.
- Pedro, leu o jornal de hoje? Tem uma vaga de estágio, é só mandar o currículo, o salário é ótimo, se jogue.

Então bem magoado, ele decidiu que seria sarcástico, atribuiu a si mesmo qualidades utópicas. Em pouco mais de meia página, colocou uma pretensão salarial inimaginável, além das metas profissionais. Começou descrevendo certificados e diplomas pitorescos. Afirmou que tinha se diplomado em crioulo haitiano.

 - Pelo amor de Deus, o que é isso? Essa com certeza deve ser a sua pergunta. O dicionário diz que é um idioma falado por quase toda a população do Haiti e em alguns outros países como Canadá, Estados Unidos, França, República Dominicana, Cuba e Bahamas.
Anotou os cursos de marchands e de arquivologia, escreveu que tinha estudado literatura oral, decamerônica, comparada, de cordel e vanguarda. “Lembrou” ainda das especializações em piadas de freira e de bêbado, dos cursos de cabalística, liderança e caligrafia, das viagens até Itaquaquecetuba, Santa Bárbara D’oeste, Mogi das Cruzes e Pindamoiangaba e dos cartões de sócio dos clubes dos Fanáticos por bolacha de água e sal e de proteção às formigas do Suriname.

Já que agora tinha um belo currículo, dias depois ele foi saber do resultado, tomado de esperança.

- Seu currículo é incrível, você nos impressionou muito. Que cultura! Que experiência! Infelizmente você não foi o escolhido. Mas não desista, você tem um grande futuro, viu? – disse-lhe uma moça bonita, chefe de relações humanas.

Arrebatado de raiva, pediu-lhe para ver o currículo do vencedor. Aterrorizada com a expressão do rapaz, a moça bonita permitiu-lhe. Com o papel em mãos, leu a única linha escrita:

- Neto do Presidente do Senado Federal.

Indiscutivelmente um currículo maravilhoso, afirmou Pedro.   

Um comentário:

Sívia Laranjeira disse...

Fantástico o seu texto. Infelizmente a nossa realidade é assim. Tem que ter QI. Vamos mudar essa situação.
Aposto em você.
Sílvia Laranjeira