Pedro estava a horas sentado na frente do
computador escrevendo um trabalho para disputar uma vaga de estágio em uma
empresa jornalística. A exigência: pôr no papel tudo o que é feito pela
produção no jornalismo e como o comportamento pessoal interfere no ambiente de
trabalho. Caprichou no conteúdo textual e apostou na convocação. A verdade é
que o nome dele nem apareceu na lista dos selecionados. Revoltado, ligou pedindo uma explicação
coerente da comissão julgadora. Atendido pela secretária, ouviu-a dizer:
-“Realmente, seu material é de muita qualidade.
Parabéns! Você tem futuro, viu?”
- Então por qual motivo vocês não me chamaram? –
disse ele
- A senhora lhe respondeu: “É que o currículo que
você entregou junto com as perguntas respondidas é muito pobre.”
Conformado, Pedro lembrou que a sua a experiência
profissional completava apenas poucas linhas de uma folha, enquanto muitos
candidatos preencheram páginas inteiras. Mas seriam mesmo currículos tão
brilhantes assim?

Qualquer viagem feita nas férias, contava para
aumentar o conteúdo curricular.
Imagine que um candidato inclusive, mencionou no
seu currículo, a participação em clubes de fuscas e de pássaros raros.
- Perguntado o motivo de não ter feito como todos
os outros candidatos, ele respondeu:
- Eu? Jamais, não sou tão cara-de-pau.
- Ela replicou: você é quem sabe, prefere continuar
sem estagiar?
Chateado, ele prometeu pra si mesmo que nunca mais
perderia tempo com seleções, questionou até quem aqueles julgadores pensavam
que eram.
Dias depois, a mãe de Pedro liga toda serelepe.
- Pedro, leu o jornal de hoje? Tem uma vaga de
estágio, é só mandar o currículo, o salário é ótimo, se jogue.
Então bem magoado, ele decidiu que seria sarcástico,
atribuiu a si mesmo qualidades utópicas. Em pouco mais de meia página, colocou
uma pretensão salarial inimaginável, além das metas profissionais. Começou
descrevendo certificados e diplomas pitorescos. Afirmou que tinha se diplomado
em crioulo haitiano.
- Pelo amor
de Deus, o que é isso? Essa com certeza deve ser a sua pergunta. O dicionário
diz que é um idioma falado por quase toda a população do
Haiti e em alguns outros países como Canadá, Estados Unidos, França, República
Dominicana, Cuba e Bahamas.
Anotou os cursos de marchands e de arquivologia,
escreveu que tinha estudado literatura oral, decamerônica, comparada, de cordel
e vanguarda. “Lembrou” ainda das especializações em piadas de freira e de
bêbado, dos cursos de cabalística, liderança e caligrafia, das viagens até
Itaquaquecetuba, Santa Bárbara D’oeste, Mogi das Cruzes e Pindamoiangaba e dos
cartões de sócio dos clubes dos Fanáticos por bolacha de água e sal e de
proteção às formigas do Suriname.
Já que agora tinha um belo currículo, dias depois
ele foi saber do resultado, tomado de esperança.
- Seu currículo é incrível, você nos impressionou
muito. Que cultura! Que experiência! Infelizmente você não foi o escolhido. Mas
não desista, você tem um grande futuro, viu? – disse-lhe uma moça bonita, chefe
de relações humanas.
Arrebatado de raiva, pediu-lhe para ver o currículo
do vencedor. Aterrorizada com a expressão do rapaz, a moça bonita permitiu-lhe.
Com o papel em mãos, leu a única linha escrita:
- Neto do Presidente do Senado Federal.
Indiscutivelmente um currículo maravilhoso, afirmou
Pedro.
Um comentário:
Fantástico o seu texto. Infelizmente a nossa realidade é assim. Tem que ter QI. Vamos mudar essa situação.
Aposto em você.
Sílvia Laranjeira
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