“O lado dos estudos culturais
acaba sendo o que mais pesa para mim na hora de pensar como jornalista”
A editora da Revista Muito fala sobre as Teorias do Jornalismo, e como elas se apresentam no seu cotidiano, com base em tudo que
estudou e viveu nos seus 21 anos de carreira.
Baiana de Caetité, no Sudoeste do estado, desde a
infância, Nadja Vladi sempre gostou de ler e escrever. A garotinha cresceu, mudou-se
para Salvador e virou jornalista. Com 21 anos de profissão, doutora em
Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (Ufba),
e com experiência de pesquisa nas áreas de estudos culturais e teorias da
comunicação, atualmente ela trabalha como editora-coordenadora da Muito,
revista semanal do Jornal A Tarde. E foi com base em todas as experiências
vividas durante sua carreira, que Nadja Vladi, hoje com 45 anos, conversou
comigo sobre as Teorias do Jornalismo, e como toda a teoria que ela aprendeu, e
ensinou, na faculdade se apresenta na prática do seu dia-a-dia.
Lorena – Como começou sua carreira de jornalista?
Nadja – Eu sou
da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Ufba), e na
verdade eu comecei já em Cultura, né? Era estagiária da assessoria de
comunicação do Teatro Castro Alves (TCA), depois fui para o Jornal da Bahia e
comecei a trabalhar com o Caderno 2. Claro que sempre tive aquelas passagens
por cidade e esporte também. Mas desde cedo esse foi o meu caminho. Inclusive o
meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi em cima dos agendamentos dos
cadernos de Cultura de Salvador. Então, eu vi inicialmente que era a coisa que
eu mais gostava dentro de jornalismo, e acabei me especializando nessa área. E,
hoje, aqui no Jornal A Tarde, a gente faz a Revista Muito que é uma revista de
cultura no sentido antropológico da palavra, porque aborda uma coisa de
comportamento cultural, mais do que apenas um agendamento de cultura.
Lorena – Mas, por que você escolheu essa profissão?
Nadja – Não sei
se tem a ver com a minha história... Meu bisavô, por exemplo, tinha um jornal.
Meu avô era dono de uma gráfica. E eu sempre tive esse contato com o
jornalismo, eu gostava dessa área desde cedo. Pensei também em fazer arquitetura,
cheguei até a fazer direito, na época que eu fiz vestibular para comunicação.
Mas eu acho que sempre foi uma coisa que estava dentro de mim, não sei se por
conta da minha família, mas sempre gostei muito de ler e escrever, e acabei me
direcionando para esse caminho.
L – Você acredita que os jornalistas conseguem
refletir a realidade em suas reportagens, sem se deixar influenciar por sua
opinião individual?
N – O
jornalismo é uma representação da realidade, então, ele não é uma realidade.
Quer dizer, ele é uma realidade representada ali, é representada pelo repórter
que faz a matéria. A reportagem que eu vou fazer vai ser diferente da que você
vai fazer, da que “c” e “d” vão fazer, certo? O jornal em que sai também
influencia. Eu tenho que ver ali a linha editorial também, quem é o editor, que
página vai sair, se for em um jornal é diferente de uma televisão, de um rádio,
de internet. Então, eu acho que o jornalismo é uma representação de realidade,
sim. Mas ele é influenciado pelo repertório de cada repórter, cada editor e de
cada veículo de comunicação que se coloca no mercado.
L – Na Teoria do Gatekeeper, o jornalista é comparado a um guardião de portal,
cabendo a ele decidir quais as notícias que serão divulgadas ou não. Como
editora da Revista Muito, você acredita que exerce diariamente essa função de gatekeeper?
N – Essa
função é exercida. Primeiro porque você tem uma questão de linha editorial, que
eu acho que é a primeira coisa que se tem que levar em conta, além de pensar
também o que interessa ao leitor dessa revista e o quê que não interessa.
Depois o que é que é o mais relevante, que vai atingir o maior número possível
de pessoas que lêem essa revista. A decisão também tem a ver com o meu
repertório, com meu background, com
os meus conceitos de jornalismo. Também com o jornal onde eu estou, né? Eu
estou dentro do jornal A Tarde, que é um jornal que tem uma determinada linha
editorial, um determinado público. O gatekeeper
também é influenciado por todos esses eventos. Uma pessoa que tem uma relação
maior com a cena cultural da cidade, que tem um conhecimento maior pode
produzir uma revista melhor do que outra que talvez não circule tanto, que não
tenha tanto interesse nessa área. E qual a ideia da revista? É uma revista
focada na Bahia, voltada para Salvador, mas é uma Bahia mais cosmopolita, uma
Bahia que está dialogando com o mundo e a gente tenta mostrar algumas
tendências nessa área. Então, o gatekeeper,
ele vai se dar ai por esses critérios de noticiabilidade que a revista Muito
tem.
L – E como editora, você acha que esse poder é
maior do que antes, quando você era repórter?
N – É claro
que é o editor que toma a decisão, né? Do que vai para a capa, do que vai ser
matéria principal. Mas jornalismo é sempre um trabalho de equipe. Então, se
você discute as coisas, às vezes você acha que está acertando em alguma
coisa e o repórter ou o editor assistente ou o pessoal do designer diz “isso
aqui não vai funcionar desse jeito, é melhor fazer assim”. O repórter vai para
a rua com uma capa e, às vezes diz: “olha, isso não rende uma capa, só rende
uma segunda reportagem ou uma outra coisa”. Então, assim, esse diálogo é
importante. Agora, é claro que a decisão é do editor sempre. Não sei se é um
poder, mas é uma decisão que você tem que tomar. Porque depois quem tem que
responder por essa decisão é o editor também, né?
L – Durante a sua carreira ocorreu alguma situação
em que você não pôde publicar uma notícia, que você achava relevante, porque
contrariava algum princípio da organização em que você trabalhava?
N – Isso
ocorre normalmente no jornalismo. Você precisa saber lidar com isso, precisa
ter uma certa maturidade. Eu acho que tem determinados assuntos que não
interessa ao jornal naquele momento divulgar, por princípios banais ou mais
graves. Depende muito do lugar em que você trabalha. Eu acho que no A Tarde a gente
tem bastante liberdade. Mas, eventualmente, ocorre de você ter algum assunto
que a forma como você está dando ou a apuração, não estava ainda completamente
pronta para ser publicado. Isso é o cotidiano do jornalismo, em qualquer jornal
que você trabalhe. E depende da linha editorial deles. Tem os jornais mais
conservadores, tem jornais de esquerda, tem jornais mais de direita. Então,
isso tudo influencia no que vai poder sair ou não, entendeu?
L – E, até antes mesmo de trabalhar no Jornal A
Tarde, teve alguma situação que te marcou, em que você achava que realmente a
população precisava daquela informação, da notícia, e ela foi vetada por causa
de algum princípio da empresa?
N – Isso
acontece muito mais com meus colegas da área de política e cidade do que na
minha área de cultura, mas não é difícil disso acontecer.
L – Mesmo quando a política está envolvida na
cultura?
N – É claro
que você tem alguns problemas da matéria, às vezes você quer publicar um dia e
não consegue, porque você não conseguiu cercar ela de uma forma que a
organização ache que é satisfatória, ouvir todos os lados, né? Às vezes você
tem uma coisa que é muito superficial. Aí você não pode divulgar. Mas eu não me
lembro assim de nada que tenha ocorrido comigo e que tenha sido marcante.
L – Na área em que você atua, no jornalismo
cultural, é possível exercer o papel de “quarto poder” que a Teoria Democrática
acredita ser uma das funções do jornalista?
N - Pois é,
eu não sei dizer. Eu tenho, assim, um pouco de pé atrás, talvez, com essa ideia
do “quarto poder”. É claro que hoje, com a imprensa estabelecida, os meios de
comunicação têm muito mais poder do que os outros. Mas eu acho que a
comunicação hoje está muito mais pulverizada. Então, da mesma forma que eu
posso fazer aquela matéria, a pessoa que foi atingida por aquela matéria, pode
colocar isso num blog, numa rede social e assim a informação circula de uma
outra forma. Tem aquele caso da Petrobras mesmo, que O Globo deu uma entrevista
e a Petrobras criou um blog para refutar algumas questões que o jornalista
colocou. Eu acho isso saudável na democracia, eu acho que diminui um pouco esse
poder que se teve bastante nas décadas de 70 e 80. Mas acho que se a gente for
pensar no ponto de vista dos estudos culturais, esse poder dos meios de
comunicação é grande, mas ele não é absoluto, certo? Eu acho que a audiência
tem muito poder hoje em dia, sem dúvida nenhuma.
L – Na Teoria da Ação Política, os meios de
comunicação são vistos como instrumentos que servem aos interesses políticos.
Você acha que a Revista Muito se enquadra na visão dessa teoria?
*A entrevista foi realizada
no dia 5 de
dezembro, e a jornalista se refere à
edição #245 da Revista Muito.
|
N
– Bom,
se você for pensar política como ações cotidianas para melhorar a vida das
pessoas na cidade, para fazer elas refletirem, sim. Eu acho que tudo que você
faz é política de uma certa forma. Por exemplo, a gente saiu para fazer a
reportagem essa semana com projetos de arquitetos pensando numa cidade mais
humana, uma cidade em que o morador possa cuidar melhor dela e que não seja uma
cidade só para carros, enfim. Esse é um olhar político sobre a cidade, uma
política cotidiana de você pensar em melhorar a vida das pessoas. Se você traz
uma entrevista discutindo religião, enfim, tradições, você também está fazendo
política. A gente vai trazer uma entrevista essa semana* com Angela Davis, que
é militante negra americana, falando das novas formas de racismo. E tudo isso é
política, né? Mas eu acho que é uma política mais cotidiana, não é aquela
política partidária. Isso a gente não faz, mas a gente discute a cidade, a
gente reflete sobre questões de melhorias. Sobre o bem estar das pessoas
também. E eu acho que é uma política cotidiana e quem faz jornalismo acaba
fazendo isso sempre.
L – E entre as teorias de jornalismo que já foram
desenvolvidas até o momento, qual delas você acha que está mais presente no seu
dia a dia?
N – Assim,
na minha vida, provavelmente, os estudos culturais, porque é a minha área de
pesquisa e acaba sendo o lado que mais pesa para mim na hora de pensar como
jornalista. Porque foi o que eu lhe disse, ele é um produto do meio, ele é uma
construção do meio. Então, eu, como pesquisadora, sou construída toda nessa
área de pesquisa dos estudos culturais. E isso obviamente influencia no meu
trabalho. Talvez, se eu estivesse mais numa área de semiótica ou numa área do
enquadramento, talvez eu pensasse o jornalismo de uma maneira diferente, mas nesse
meu lugar aí, é a teoria das culturas mesmo.
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