Acorda, toma banho, se veste e
vai tomar o café da manhã. O jornal está na mesa, como todos os dias, e ele lê
superficialmente as principais notícias. Crescimento econômico, melhoria na
educação, hospital inaugurado, viaturas novas para a polícia. Quantas notícias
boas, ele pensa. Satisfeito, termina de se arrumar e vai para o trabalho.
Volta para casa reclamando.
Primeiro reclama do trânsito, e lembra-se do aumento do preço da gasolina.
Depois comenta sobre a incompetência de um de seus funcionários, que mal sabe
escrever, apesar de já ter ensino médio completo. Reclama também da saúde
pública e diz que precisou dar socorro à sua secretária, que passava mal, e a
levou ao hospital recém-inaugurado. Quando chegaram ao local descobriram que
não havia médico algum.
Conta também que encontrou o
vizinho no elevador, e que juntos eles reclamaram da violência e do aumento no
número de roubos de carro no bairro. O vizinho ainda lhe falou que um dia
olhava pela janela do apartamento, quando notou uma atitude suspeita de um
indivíduo. Não demorou a perceber que se tratava de mais um roubo. Ligou para a
polícia e nenhuma viatura, nem nova, nem velha, apareceu.
Revoltado com todos os
acontecimentos do dia, ele busca o jornal pela casa e o encontra perto do sofá.
Ele sabe que naquele papel não existem mentiras. Tudo que havia lido pela
manhã, realmente tinha acontecido. O problema é que o jornal mostrava apenas um
lado dos fatos, apenas o lado bom.
Onde estava a crítica? Onde estava
a reflexão sobre os problemas que a sociedade vinha enfrentando? Onde estava a
realidade, o outro lado da moeda, a imparcialidade dos fatos? Sentou-se exausto
no sofá. E, olhando para o jornal, lembrou-se de sua infância. Desde pequeno se
acostumara a ver seu pai lendo um jornal pela manhã. Todos os dias essa cena se
repetia. E, para ele, o momento mais emocionante, era quando seu pai fechava o
jornal e fazia um comentário. Todos os dias seu pai tinha um comentário a
fazer.
E foi com seu pai que ele aprendeu
qual era o papel do jornalismo na sociedade. Porque os jornalistas têm um poder
em mãos: o poder de informar e formar opiniões. Se o jornal não informa, de que
outra forma a população saberá o que se passa na sociedade? E se o jornal
mostrar apenas o lado bom dos acontecimentos, de que outro modo as pessoas vão
ansiar por mudanças?
Seu pai sempre reclamava quando
via notícias sensacionalistas, ou extremamente positivas. Sabia que aquilo
estava sendo feito visando apenas um aspecto: o financeiro. Porque à medida que
ele foi ficando mais velho, seu pai lhe explicou que as notícias também eram um
negócio. “De onde você acha que vem o salário dos jornalistas?”, uma vez ele
lhe perguntou.
E todas as vezes que ele se
deparava com uma situação como aquela, em que a notícia havia sido feita apenas
para vender o jornal, seja para o povo, com notícias sensacionalistas, seja
para o atual governo, através de notícias extremamente positivas e favoráveis,
ele se lembrava de todas as críticas que seu pai fazia.
Sempre do contra, seu pai não
acreditava nos jornais que eram muito favoráveis do governo, nem naqueles que
noticiavam apenas o que achavam “que ia vender”. Pois achava que isso
comprometia a notícia, e que coisas importantes deixavam de ser noticiadas.
Incontáveis foram as vezes que viu seu pai cancelar uma assinatura de jornal e
começar a ler o concorrente.
Como sempre, seu pai estava
certo. Olhou para o jornal em suas mãos e, ainda revoltado, o jogou no lixo.
Decidiu que no dia seguinte iria passar na banca de revistas e compraria o
jornal concorrente, seguindo o exemplo de seu pai.
Quando já estava na cama, um
pouco antes de dormir, lembrou de uma frase que seu pai sempre gostava de citar
em seus momentos de revolta. “Jornalismo é oposição; o resto é armazém de secos
e molhados”. A frase era de Millôr Fernandes, mas resumia bem aquilo que seu
pai lhe ensinou: se o jornal não faz uma critica, uma reflexão, apenas vende
qualquer tipo de notícia, não serve para a dose de informação que ele precisa
tomar, todas as manhãs, junto com seu café.
2 comentários:
Atualmente, é minha escritora preferida!
Texto muito bom Lorena!Realmente é disso que precisamos: do jornalismo crítico e reflexivo, que estimule esses cidadãos tão acomodados com a triste e atual realidade!
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